
STJ julgará se provisões bancárias podem ser deduzidas do PIS/Cofins
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará um tema relevante para bancos: se suas provisões podem ser classificadas como despesas e, consequentemente, deduzidas do PIS e da Cofins. A tese envolve especificamente as Provisões para Créditos de Liquidação Duvidosa (PCLD) – aquelas que as instituições financeiras são obrigadas a registrar nos balanços quando clientes deixam de pagar o que devem por pelo menos seis meses.
As despesas dos bancos com PCLD dobraram desde 2021, segundo o último Relatório de Economia Bancária do Banco Central, de 2023. O volume, antes de R$ 80 bilhões, passou a ser de mais de R$ 160 bilhões no fim de 2023. Se a tese dos contribuintes for vencedora, eles poderão reduzir esses valores da base de cálculo dos tributos federais, que têm alíquota de 4,65%.
A tese também ganha relevância por conta do aumento da inadimplência no Brasil. A quantidade de empresas no negativo atingiu recorde em fevereiro deste ano, com 7,2 milhões de inadimplentes, quase um terço do total de pessoas jurídicas no país, segundo a Serasa Experian. No caso das pessoas físicas, são 75 milhões de inadimplentes, outro montante sem precedentes na série histórica, iniciada em 2016.
Os bancos defendem que a inclusão das PCLD na base dos tributos aumenta o custo de crédito no Brasil, pois o provisionamento diminui a disponibilidade de recursos para empréstimos. Ainda de acordo com o relatório do Bacen, os tributos representaram, em média, 21,9% sobre o spread bancário entre 2021 e 2023, e a inadimplência, 31%.
As instituições financeiras, até então, têm perdido a discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e nos tribunais regionais federais, segundo advogados. Não há precedentes de mérito no STJ – normalmente os recursos não são analisados por questões processuais. Existem 18 ações na Corte Superior, informou a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) nos autos.
A tese foi afetada como Incidente de Assunção de Competência (IAC) pela 1ª Seção do STJ no fim de março deste ano pela sua relevância social e econômica, mesmo com pouco volume de processos. Na prática, se assemelha ao rito de recurso repetitivo, pois a decisão vinculará todo o Judiciário. Até que se julgue a matéria, todos os processos que discutem a questão estão suspensos (REsp 2088553).
Mesmo se houver derrota no STJ, a perspectiva é positiva para os bancos, porque a dedução já foi permitida pela reforma tributária, por meio do artigo 192 da Lei Complementar nº 214/2025.
A discussão se baseia na interpretação do artigo 3º, parágrafo 6º, inciso I, letra a, da Lei nº 9.718/1998. O dispositivo permite deduzir do PIS e da Cofins “despesas incorridas nas operações de intermediação financeira”. Para os contribuintes, os valores provisionados são uma perda, portanto, devem ser deduzidos. Para o Fisco, é apenas uma estimativa de risco de inadimplência de operações de crédito, não sendo uma despesa efetivamente assumida.
Nos casos afetados, os bancos perderam na primeira e segunda instâncias. Um envolve o Banco Daycoval e o outro a Agibank (REsp 2088553 e REsp 1938891). O entendimento foi de que a provisão é um cálculo estimado “da importância necessária para absorver o risco de inadimplência para fins de apuração do resultado, ou seja, não se trata de despesas efetivamente verificadas”.
No STJ, o Daycoval argumenta que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), no parecer nº 325/2009, já admitiu que a PCLD seria despesa de intermediação financeira. E que esse valor “se desprende do patrimônio da instituição financeira e, definitivamente, prejudica os seus resultados”. “Tanto é assim que a recuperação dessa perda (na hipótese de pagamento por parte do devedor inadimplente) gera uma receita”, afirma.
Em nota ao Valor, a PGFN diz que a PCLD é “uma exigência contábil-regulatória do Banco Central, de natureza prudencial, representando uma estimativa de perdas futuras, e não uma ‘despesa incorrida’ na intermediação financeira” como exige a lei para permitir a dedução”.
O órgão acrescenta que a menção das provisões no parecer “ocorreu de forma meramente ilustrativa e em um contexto distinto (análise sobre comissões pagas a agentes autônomos)”. “A classificação contábil no Cosif não se sobrepõe à definição legal de despesa dedutível estabelecida pela legislação tributária específica do PIS/Cofins, que exige que a despesa seja efetivamente incorrida”, afirma.
Em seu voto, o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, diz que o caso merece ser discutido em IAC porque “transcende os interesses das partes envolvidas, com expressivo impacto econômico”. Apesar de não haver “considerável multiplicidade, a atrair o rito dos recursos especiais repetitivos”, afirma, seria preciso uniformizar a jurisprudência da Corte “a fim de conferir à questão controvertida a necessária segurança jurídica, em detida observância ao princípio da isonomia”.
A obrigação de provisionar despesas de PCLD vem da Resolução nº 2.682/1999 do Banco Central. O objetivo é resguardar o risco com operações de crédito, diz o tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados Associados. “É uma forma do Banco Central conferir mais segurança ao mercado financeiro e para que bancos não tratem no seu balanço um crédito bom, quando, na verdade, não é bom”, afirma.
Para ele, os valores da provisão devem ser deduzidos, pois decorre da atividade de captação e aplicação de recursos. “A perda que acontece na ponta da operação, quando se aplica o recurso para receber de volta com juros, mas que não é pago pelo cliente, é tratada como despesa tanto na contabilidade como na esfera tributária. Logo, é uma despesa incorrida em intermediação financeira e pode ser deduzida.”
Cabral já teve êxito com o tema no Carf – o que foi citado no acórdão de afetação pelo ministro Bellizze. Mas a decisão foi revertida na Câmara Superior, a última instância do tribunal administrativo.
O tributarista Jhonathan Mayer, do Marchiori, Sachet, Barros & Dias Advogados, diz que a Receita Federal sempre foi “bem restritiva” em relação ao que pode ser deduzido da base de cálculo do PIS e da Cofins. “A controvérsia é relevante porque pode reduzir significativamente a carga tributária e ainda recuperar os valores dos últimos cinco anos”, afirma.
Mayer também defende que é uma perda, pois decorre do risco de inadimplência em operações de intermediação financeira. “A Receita defende que uma provisão não afetaria o resultado da instituição financeira, mas claramente afeta, porque ela é obrigada a diminuir o resultado”, diz o advogado Paulo Henrique Brasil de Carvalho, do Lowenthal Advogados que atua pelo Daycoval no STJ, afirma estar confiante no julgamento, apesar da jurisprudência contrária. “É um novo julgamento, começando do zero e com novos players trazendo argumentos”, diz. Ele tem dois outros casos no escritório, ambos com sentença desfavorável. E afirma desconhecer decisão de segunda instância favorável – as de primeira instância que foram a favor foram revertidas nos tribunais.
Diretora jurídica da CNF, Cristiane Coelho diz que a decisão do STJ será um “marco relevante à segurança jurídica no país” e é preciso afastar “distorções que afetem a concessão e o custo do crédito”. “A constituição da PCLD reduz a oferta de crédito e eleva seu custo”, afirma.
Em nota, a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) diz que “a decisão do STJ trará relevante impacto financeiro e regulatório ao setor uma vez que ela versará sobre a forma de tributação e suas deduções das instituições financeiras, influenciando diretamente nos seus resultados”.
Fonte: Valor