
Carf afasta tributação sobre dividendos gerados com atualização de valor de imóvel
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que não devem ser tributados dividendos oriundos de ganho contábil com a atualização do valor de imóvel pelo Ajuste a Valor Justo (AVJ) – preço de mercado. A decisão beneficia uma imobiliária que administra um shopping center no Rio de Janeiro. Segundo advogados, é o primeiro acórdão do tribunal administrativo sobre o tema.
O caso foi julgado pela 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção em fevereiro, quando foi afastado um auto de infração de R$ 21 milhões de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não recorreu da decisão.
O contribuinte foi autuado porque a fiscalização considerou que a distribuição de lucros, com a atualização do imóvel, configura ganho de capital e gatilho para a tributação. Já o contribuinte defende que a cobrança só pode ocorrer quando houver a venda do bem.
Por maioria, a turma concluiu que “o ativo que gerou Ajuste a Valor Justo (AVJ) não foi objeto de depreciação e nem de alienação ou outra eventual baixa na escrituração, permanecendo intacto no patrimônio da empresa”. “A distribuição de dividendos proveniente do ganho contábil (AVJ), contrapartida da subconta vinculada ao ativo, não dá causa à realização do ativo”, diz no voto o relator, o conselheiro Cláudio de Andrade Camerano.
O processo se refere à distribuição de dividendos feita entre os anos de 2013 e 2015. Em 2013, a empresa registrou na contabilidade AVJ de R$ 260,2 milhões após atualizar o valor do shopping para o de mercado, o que gerou ganho de R$ 171,7 milhões. Para a Delegacia de Julgamento (DRJ), deveria ser aplicado o artigo 13 da Lei nº 13.973, de 2014, legislação que introduziu novos padrões contábeis internacionais no Brasil.
O dispositivo determina que se houver resultado positivo quando um bem for avaliado pelo AVJ, ele não será computado na apuração do lucro real, desde que esses valores fiquem reservados em uma subconta vinculada ao ativo. A tributação ocorrerá “à medida que o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou quando o passivo for liquidado ou baixado”.
Segundo a fiscalização, o AVJ deve ser tributado por ser um resultado positivo, equiparável ao ganho de capital. A distribuição do lucro aos acionistas, na visão do Fisco, é como se o ativo tivesse sido realizado. Isso porque “não mais existe contrapartida credora que ampare o AVJ constante do ativo da fiscalizada, ensejando a tributação, dada a ocorrência do fato gerador”.
No recurso ao Carf, o contribuinte argumentou que o recolhimento de tributos só pode acontecer quando o ativo for alienado. Defendeu ainda que os dividendos são isentos.
O relator, o conselheiro Cláudio de Andrade Camerano, afirma, em seu voto, que a distribuição do AVJ poderia até ter impactos societários, mas não efeitos na esfera tributária. “O ganho registrado nada mais representa do que um ganho em potencial, uma mera expectativa, que pode ou não se tornar uma realidade econômica”, afirma ele (processo nº 11052.720011/2019-39).
O acréscimo patrimonial decorrente do AVJ, acrescenta, registrado em subconta “só pode apresentar efeitos tributários quando da ocorrência de alguma realização, total ou parcial, que atinja, entenda reduza, o valor patrimonial do ativo, algo que não ocorreu no caso dos autos”.
O tributarista Roberto Duque Estrada, sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada (BDE) Advogados e um dos diretores da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), entende que a decisão é correta pois não há base legal para a tributação defendida pela Receita Federal. “Do ponto de vista fiscal, a solução é não tributar esse AVJ enquanto o ativo não for realizado”, diz.
Ele concorda com o relator, que a operação poderia provocar alguma discussão societária, mas não autoriza o Fisco a seguir com a cobrança do Imposto de Renda e CSLL. Estrada ainda afirma que o AVJ foi criado com o intuito de dar transparência aos acionistas sobre qual o valor do mercado de determinado ativo.
Se o contribuinte optar pela atualização por esse método, deve fazê-la todo ano, explica Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, que atuou no caso. Na visão dele, não houve fato gerador que justificasse a cobrança. “Não entrou receita efetiva e, se não entrou dinheiro, não teve fato gerador do ganho de capital, porque esse ganho só vai ser visto quando efetivamente se vender o imóvel”, afirma.
A fiscalização e a decisão da DRJ haviam entendido diferente. “Para eles, a distribuição de dividendo pautada no Ajuste a Valor Justo do bem tem que recolher o ganho, porque se presumiu a ocorrência de fato gerador”, explica. Mas o acórdão da 1ª Turma, acrescenta, enfatizou que se o ganho é registrado em subconta, há o diferimento (adiamento) da tributação até a venda do imóvel.
Hermano Barbosa, também sócio do BMA que atuou no caso, diz que a fiscalização tem um entendimento de que o lucro não poderia ser distribuído com base no ganho pelo AVJ. “A autoridade fiscal tentou aplicar um entendimento que contrariava frontalmente o que dizia a lei”, afirma.
Segundo ele, é um processo sem precedentes no Carf. “Quero acreditar que tenha sido um posicionamento isolado por parte do Fisco”, diz. “De todo modo, é importante porque o óbvio, às vezes, precisa ser dito”, acrescenta. Para ele, o acórdão “afasta qualquer possibilidade de um efeito multiplicador de interpretação errada por parte da administração tributária”.
Fonte: Valor Econômico